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“As ideias de liberdade penetraram profundamente”. Comunicação e revolução, 1789–1793

Authors
  • Julius S. Scott (University of Michigan)
  • Elizabeth Martins

Abstract

This essay is a Portuguese translation of Chapter 4 of Julius S. Scott's The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution (Verso, 2018). The translation was completed by Elizabeth (Bebete) Martins, who can be reached at bmartins@umich.edu.

How to Cite:

Scott, J. S. & Martins, E., (2025) ““As ideias de liberdade penetraram profundamente”. Comunicação e revolução, 1789–1793”, Translating the Americas 6: 1. doi: https://doi.org/10.3998/lacs.7015

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2025-01-08

Peer Reviewed

Se o fluxo transatlântico de notícias parecia particularmente intenso nos anos que antecederam a Revolução Haitiana, a rede regional de comunicação – o “vento comum”, que conectava as sociedades afro-americanas – revelou-se ainda mais ativa. No final da década de 1780 e início da década de 1790, as correntes da revolução alcançaram todas as partes do Caribe. Ao longo das diversas vias de contato entre as colônias, os rumores e os relatos de fontes inglesas, espanholas e francesas se entrelaçavam e mutuamente reforçavam a ideia de que a emancipação estava ao alcance das mãos e, finalmente, instigando rebeliões armadas nas colônias inglesas e francesas. No período imediatamente anterior a 1793, a contínua rebelião de negros e de outros grupos de pessoas não brancas em São Domingos serviu de inspiração para os que aspiravam a ser revolucionários em outras regiões, enquanto a restrição do trânsito de pessoas e ideias havia se tornado uma questão imprescindível para os governantes em territórios de língua inglesa e espanhola.

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Os estudos sobre o comércio são parte fundamental da historiografia sobre as Américas no século XVIII. Mesmo assim, sem exceção, esses estudos não dedicam a devida atenção a um dos aspectos mais importantes do intercâmbio: a informação, que estava constantemente trocando de mãos. Na verdade, os americanos em todo o hemisfério dependiam de seus vizinhos tanto para saber das notícias quanto para ter acesso às outras mercadorias que chegavam nos navios. Não surpreende que as notícias sobre guerras iminentes tenham percorrido grandes distâncias em pouco tempo. Rumores de uma guerra entre Inglaterra e Espanha, por exemplo, se espalharam por uma extensa área que se estendia da Virgínia, nos Estados Unidos, à Venezuela, entre julho de 1790 e fevereiro de 1791. Quando as autoridades britânicas restabeleceram o recrutamento forçado nas ilhas do leste caribenho em antecipação à guerra, os marinheiros·de língua inglesa ao norte, até em Norfolk, tomaram conhecimento e abandonaram os seus navios em busca de segurança em terra firme.1 Aproveitando a maior eficiência dos ingleses em manter suas colônias informadas sobre as notícias transatlânticas, os residentes dos territórios espanhóis acompanhavam os acontecimentos através de seus vínculos comerciais com a América Britânica. Em Cuba, souberam dos rumores alarmantes não através de comunicados oficiais do governo espanhol, mas com a chegada das pequenas embarcações que traficavam escravos reexportados da Jamaica de acordo com as regras do livre comércio. Os capitães que chegavam a Santiago de Cuba traziam jornais britânicos, cujas reportagens mantiveram vivo o medo da guerra na ilha espanhola até o final de janeiro de 1791. Ao mesmo tempo, os habitantes da Nova Espanha tentavam se manter informados através dos jornais londrinos.2 De Caracas chegaram informações oficiais de que no início de julho de 1790 “começaram a se espalhar e amplificar as vozes sobre uma próxima ruptura entre a nossa Corte e a de Londres”. Assim como as informações que chegavam à Cuba e à Nova Espanha, os relatos de Caracas foram rastreados e atribuídos a uma fonte estrangeira: um cartaz inglês, impresso em San Cristóbal e levado ao continente em um navio vindo da pequena ilha sueca de São Bartolomeu para fazer negócios.3

Através desses mesmos canais, as expectativas e os medos relativos à emancipação dos escravos e a igualdade de direitos para com pessoas negras e pardas livres passavam de um lugar para outro. Da mesma forma que os residentes de todas as colônias tinham que se manter informados sobre os preparativos de seus vizinhos para a guerra, eles não podiam ignorar outros acontecimentos políticos e sociais, principalmente os que tocavam a questão da abolição da escravidão. Portanto, nos meses tensos que se seguiram aos primeiros relatos do debate britânico sobre o comércio de escravos, os rumores sobre a emancipação naturalmente assumiram uma dimensão regional. Mesmo antes de os colonos brancos em São Domingos associarem os desdobramentos na França à escravidão nas colônias, alguns deles temiam que a interferência da Grã-Bretanha no tráfico de escravos fosse um mau sinal para a opulenta colônia francesa. Moreau de Saint-Méry lembrava claramente “a tremenda sensação” causada pela chegada ao Cap Français de várias gazetas francesas, em abril e maio de 1788, “trazendo detalhes e comentários” do debate britânico sobre o tráfico de escravos.4

A partir de 1789, no entanto, as autoridades das colônias espanholas e britânicas detectaram uma ameaça mais grave nos desdobramentos políticos no Caribe francês. As notícias dos acontecimentos na França e sua grande repercussão nas colônias da nação revolucionária viajaram para o território espanhol nos mesmos navios que levavam escravos e os rumores de guerra das colônias estrangeiras. À medida que a preocupação se intensificava, o interesse pelas notícias do Caribe francês aumentava ainda mais. No final de 1789, quando as proibições espanholas contra a navegação francesa romperam a comunicação direta com as colônias nas ilhas, a importância dessas notícias chegou ao auge. À medida que a guerra civil entre os fazendeiros realistas e os renegados em São Domingos se intensificava, os altos funcionários do governo colonial em Cuba se viram obrigados a indagar pequenos comerciantes e até mesmo os “viajantes de passagem”.5

Os distúrbios nas colônias francesas justificavam os medos espanhóis e reforçavam a determinação de limitar o contato com essas ilhas e não se envolver com os assuntos da França. Quando funcionários na Martinica solicitaram ajuda militar ao governador de Cuba no final de 1789, porque os residentes da colônia francesa estavam “à beira da revolta, como resultado da confusão na França”, os funcionários espanhóis recusaram tal ajuda e mantiveram a mesma posição no ano seguinte.6

Em 1790, os funcionários de todas as colônias espanholas já estavam tomando precauções para evitar que os ventos da Revolução Francesa atravessassem suas fronteiras ou chegassem aos seus portos. Antes que os ministros na Espanha voltassem sua atenção total para a Revolução Francesa nas colônias, os governantes locais adotaram medidas que efetivamente reverteram as isenções comerciais que eles tinham aceitado de bom grado há alguns meses. Antes do final.de 1789, navios britânicos que faziam comércio com o continente retornaram à Jamaica e informaram que os funcionários da alfândega em Cartagena haviam proibido todos os navios estrangeiros de ancorar naquele porto, já que “os problemas na França exacerbaram seus temores.e ciúmes”.7 Dois meses depois, um capitão naval francês, chamado Bruny, foi tratado de forma semelhante no porto de Havana. Ele apresentou uma reclamação oficial depois de o governador interino ter contrariado a prática vigente ao proibir que a tripulação e o próprio capitão desembarcassem. Além disso, os franceses foram alvo de chacota e comentários “injuriosos à França” por parte dos marinheiros espanhóis em navios ancorados perto da baía de Havana. Os epítetos usados expressavam a hostilidade dos oficiais espanhóis em relação à Revolução Francesa e também ficou claro que as notícias dos acontecimentos na França circulavam em navios espanhóis em Cuba, apesar da política oficial.8 A vigilância foi intensificada à medida que as divergências entre os brancos em Santo Domingo aumentavam. Já no verão de l790 na costa de Caracas, como também em Cuba, Santo Domingo e Porto Rico, até mesmo os navios de pesca estrangeiros eram vistos de forma suspeita. No ano seguinte, os ministros de colônias ordenaram que as autoridades revistassem as cargas dos navios em busca de jóias, caixas de tabaco e moedas com inscrições revolucionárias.9

Apesar de todas estas precauções, os espanhóis que compartilhavam a ilha de Hispaniola com os franceses foram confrontados de forma muito direta com a questão da revolta racial quando Vincent Ogé e quinze tenentes chegaram à fronteira que separava os territórios francês e espanhol após a rebelião abortada de 1790. Este incidente mostra o quanto os recentes acontecimentos em São Domingos havia afetado os posicionamentos das autoridades espanholas. Desde os primeiros dias de agitação em São Domingos, as autoridades espanholas no outro lado da ilha começaram a manifestar a sua preocupação com a deserção constante dos escravos que cruzavam a fronteira em ambas as direções. E levaram a sério o aviso dado pelo comandante francês do Cap Français em maio de 1790, que achava que a colônia espanhola podia muito bem tornar-se o palco para um grupo de radicais de Paris ensaiar uma revolta “com o objetivo de perturbar a colônia e conseguir a igualdade total entre negros, mulatos e brancos”.10 Assim, quando o grupo de rebeldes de Ogé chegou em busca de proteção seis meses depois, o território espanhol não era mais o santuário que havia sido em tempos de menor tensão política. O governo espanhol nunca considerou o pedido de asilo de Ogé; em vez disso, a patrulha da fronteira espanhola prendeu os rebeldes e os levou para a cidade de Santo Domingo sob escolta fortemente armada. Depois do interrogatório, ao concluírem que Ogé e seus seguidores não tinham intenções hostis para com os espanhóis, seus captores os entregaram às autoridades francesas. Após dois meses de julgamento, as autoridades do Cap Français executaram Ogé e mais de vinte outros rebeldes, no início de 1791. Primeiro foram desmembrados na roda e depois decapitados. A derrota de Ogé gerou uma onda de repressão contra os mulatos e negros livres em São Domingos.11

Embora os espanhóis tenham escapado de um ataque direito, o incidente de Ogé provocou sérias reconsiderações que se estenderam a outras partes do império espanhol nas Américas. A maratona de reuniões da Audiência na cidade espanhola de São Domingos considerou a possibilidade de que “inúmeros mulatos da mesma condição e modo de pensar de Ogé e seus companheiros – e talvez também muitos brancos descontentes e com ideias ocultas escondidas”, pudessem entrar em território espanhol como resultado dos conflitos no lado francesa da ilha. As autoridades enviaram imediatamente tropas para patrulhar a fronteira sinuosa e instável. No ano seguinte, tropas da Espanha e Porto Rico foram convocadas para formar um cordão de isolamento e impedir qualquer comunicação entre as regiões francesa e espanhola da ilha.12

Os primeiros relatos sobre a Revolução Francesa ameaçaram menos os brancos na Jamaica do que seus vizinhos espanhóis. Ao contrário da Espanha, a Inglaterra não tinha laços dinásticos com a Coroa francesa e, pelo menos no oeste do Caribe, nenhuma colônia britânica compartilhava o espaço físico com os franceses. Assim, antes da Queda da Bastilha, os jornais nas ilhas britânicas publicaram notícias da Revolução Francesa com surpreendente entusiasmo. No verão de 1788, um jornal jamaicano apoiou a luta do Terceiro Estado numa linguagem que pouco tempo depois parecia subversiva: “A grande coletiva do povo está generosamente determinada a resistir, por todos os meios ao seu alcance, às medidas arrogantes e arbitrárias da Corte, e a proteger contra a opressão todos os seus compatriotas, sem distinção”. A demanda dos leitores por notícias da França parece ter crescido, mesmo quando o apoio britânico aos revolucionários franceses havia diminuído. Depois de 1789, o avanço da revolução continuou a dominar as manchetes audaciosas nas primeiras páginas dos jornais do Caribe britânico ocidental e oriental.13

À medida que os efeitos da Revolução sobre as colônias francesas vizinhas se tornaram evidentes, as autoridades britânicas, assim como seus pares em Cuba e Santo Domingo, acompanhavam os acontecimentos com atenção. Já em setembro de 1789, os navios de guerra britânicos que iam e vinham da estação naval na Jamaica “monitoravam” o Cap Français.e durante os meses seguintes apresentaram aos comandantes navais e ao governador da ilha relatórios detalhados sobre o “estado lamentável” em São Domingos.14 Sendo a Jamaica o centro comercial mais movimentado do Caribe ocidental, servia como um importante ponto de confluência para notícias de diferentes fontes. Os navios franceses invariavelmente ficavam ancorados nos portos, o que propiciava que os materiais impressos refletindo os profundos conflitos sociais em São Domingos circulassem livremente na ilha britânica. Comerciantes franceses e outras pessoas “de maior importância” conversavam sobre os acontecimentos com oficiais britânicos entre refeições e bebidas, enquanto os marinheiros de seus navios se divertiam nas tabernas de Port Royal e Kingston.15

Através desses canais, as ruas perto das docas da Jamaica logo transbordaram com relatos pormenorizados, muitos dos quais particularmente de interesse da população negra e parda da ilha. Por exemplo, os jamaicanos rapidamente tomaram conhecimento da rebelião de Ogé e suas consequências sangrentas. Em janeiro de 1791, os jornais de Kingston noticiaram que a reação contra a igualdade havia crescido de tal forma que em São Domingos “é difícil que um homem de cor apareça em público com segurança”. O brutal esmagamento da revolta de Ogé em São Domingos talvez ajude a explicar o comentário de um oficial jamaicano de que “tudo está perfeitamente calmo”, apenas duas semanas antes de os escravos de São Domingos se insurgirem para completar o que o rebelde mulato tinha começado.16

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Nem tudo estava tão calmo no Caribe oriental, onde os eventos de 1789 e 1790 acionaram redes sobrepostas de comunicação entre descendentes de africanos nas Américas. Devido em parte à geografia e em parte à história peculiar da colonização europeia nesta região, o contato entre súbitos britânicos, franceses e espanhóis ocorreu com mais frequência e intensidade no Caribe oriental do que em outras sub-regiões caribenhas. Entre 1789 e 1791, escravos e pessoas livres negros e pardos que se deslocavam de um lugar para outro ajudaram a espalhar os rumores sobre liberdade que estavam circulando em cada império, alimentando o espírito de rebelião aberta nas ilhas do leste.

A cadeia de pequenas ilhas conhecidas como Barlovento – que se estende de Guadalupe, no norte, até Granada, no sul – testemunhou grande parte da ação durante as guerras anglo-francesas do século XVIII. O contato comercial e social continuou em tempo de paz. Duas antigas ilhas francesas, Dominica e Granada, haviam sido submetidas ao controle britânico pouco tempo antes, e cada uma delas preservou muitos de seus habitantes e costumes franceses. Logo ao sul de Granada estava a ilha de Trinidad, controlada pela Espanha que ligava o arquipélago oriental ao continente, mas que mantinha laços estreitos com os britânicos e também com as ilhas francesas.

Ironicamente, as incessantes manobras em busca da supremacia imperial que caracterizavam esta região acabaram aproximando ainda mais os laços entre os britânicos, franceses e espanhóis. Buscando atrair o comércio exterior, especialmente, o francês, os britânicos concederam à recém adquirida Dominica dois portos livres conforme a lei de 1766.17 Da mesma forma, o esquema espanhol de colonização e desenvolvimento de Trinidad se concentrou em atrair estrangeiros. A Real Cédula de 1783 convidou abertamente colonos franceses descontentes, prometeu benefícios especiais para aqueles que trouxessem escravos e até ofereceu terras para negros e pardos livres que imigrassem para a ilha espanhola. Em 1784, de acordo com uma fonte do século XIX, “Trinidad era uma colônia francesa, exceto pelo nome”.18 A política de portas abertas de Trinidad atraiu todos os tipos, “o canalha e o·devedor fraudulento”, negros livres de língua francesa e inglesa, e escravos fugitivos. Quando estes diversos desertores retornaram aos seus antigos lugares de residência como marinheiros, comerciantes ou visitantes, as autoridades os acusaram de incitar os escravos a seguir seu mau exemplo. Nos anos 1790, as autoridades nas ilhas vizinhas britânicas e francesas vigiavam de perto os marinheiros de Trinidad e Tobago, algumas vezes chegando ao ponto de restringir seu desembarque. Enquanto os britânicos na Dominica “aturavam” a presença de um pequeno grupo de “renegados” espanhóis, obrigando-os apenas a pagar taxas e fazer juramentos periódicos de fidelidade ao rei da Inglaterra, Granada exigia que os residentes de Trinidad pagassem uma fiança de valor proibitivo - 1.000 libras esterlinas - caso contrário seriam presos por vadiagem, “sem qualquer outra prova que não fosse a de residência habitual ou frequente em Trinidad “.19

No Caribe oriental, onde territórios franceses, ingleses e espanhóis coexistiam numa desconfortável proximidade, os escravos atentos rapidamente tomaram conhecimento dos rumores sobre os acontecimentos emocionantes em todos os três impérios durante a era da Revolução Francesa. No final de 1789, por exemplo, Trinidad se tornou fonte de algumas notícias muito relevantes para as comunidades de escravos em todo o arquipélago oriental. Ao mesmo tempo que os ministros espanhóis debatiam as reformas abrangentes que logo iriam provocar a disputa em Caracas e em outros lugares, a Real Cédula de 14 de abril de 1789 determinou que as colônias espanholas acolhessem os escravos franceses e britânicos fugitivos que mostrassem uma reivindicação “legítima” de liberdade e os protegessem de seus antigos proprietários. Em agosto, José Maria Chacon, governador de Trinidad, promulgou o decreto. A reação em todo Caribe oriental foi imediata. Acusando Trinidad de ser “o Asilo costumeiro de fugitivos de toda espécie”, os fazendeiros ausentes e comerciantes britânicos reunidos em Londres tornaram públicas as cartas de correspondentes caribenhos apreensivos. No início de 1790, eles relataram que

[…] o governo francês tem respondido ao alarme de suas próprias colônias e […] em Granada, os habitantes acharam necessário manter Guardas Noturnos regulares no litoral e apoiar o custo de dois navios de artilharia navegando constantemente ao redor da Costa, como o único meio eficaz de impedir uma emigração desastrosa de seus escravos.20

Mesmo com estas medidas, escravos de Granada e outras ilhas próximas a Trinidad conseguiram escapar e acharam seu caminho para a ilha espanhola. Notícias sobre os fugitivos que se dirigiam para o território espanhol somente apareceram nos jornais no outono de 1790. Um mulato francês que os ingleses chamavam de “La’Pierre” desapareceu de·Granada em meados de setembro e havia rumores de que estava “tentando levar consigo um grupo de negros em uma grande canoa”. Em meados de agosto, dois escravos da pequena ilha de Carriacou, perto de Granada, escaparam em uma canoa rumo ao território espanhol, mas, “como a canoa era pequena para chegar até onde pudessem desembarcar”, provavelmente acabaram em Granada. Ainda menos afortunado foi Antoine, que foi detido quando estava escondido a bordo de um saveiro francês, “com o intento de fugir para Trinidad”.21

Um exame criterioso das descrições dos fugitivos que se encaminharam para Trinidad revela outras facetas importantes sobre a cultura afro-americana do Caribe oriental durante a década de 1790. Certamente alguns dos escravos e pessoas de cor livres da região, tanto em áreas britânicas como francesas, tinham uma capacidade extraordinária de comunicação. Um grupo de negros que fugiu de Granada em uma “pequena escuna” em outubro de 1790 incluía Hector, um pedreiro africano.que falava inglês e francês “fluentemente”, e John, um nativo de Granada que também dominava ambos os idiomas, embora preferisse o francês. Outros alertas sobre escravos fugitivos na segunda metade de 1790 oferecem dezenas de outros exemplos. Entre os fugitivos negros bilíngües nesta região no outono de 1790 estavam a dominicana Cellestine, cujo proprietário alertou os capitães de navio em Granada sobre sua provável intenção de embarcar em um navio que saia do porto; Kitty, uma vendedora de mercadorias nos arredores de São Jorge; e um “marinheiro negro” chamado King John (Rei João).22 Capazes de se comunicar em francês e inglês, mas respondendo a um convite do território espanhol, esses fugitivos de 1790 tiveram.acesso às políticas de escravidão.em três impérios coloniais e podiam, portanto, desempenhar um papel fundamental na coleta e transmissão nas decisões de cada um.

Mas o mundo ao redor estava mudando rapidamente, como logo se deram conta os escravos que viviam esta mobilidade. Assim como em Santo Domingo, os eventos políticos na região leste, especialmente as notícias sobre a agitação crescente entre os escravos e os negros livres nas colônias francesas, levaram os legisladores espanhóis a erguer barreiras a fim de dificultar a mobilidade dos negros e pardos e interromper qualquer comunicação entre os negros nas colônias espanholas e estrangeiras. Não demorou muito, portanto, para que a Coroa decidisse reverter sua política de conceder o direito de refúgio aos negros fugitivos da escravidão em territórios estrangeiros. Em vigor apenas por um breve período, o decreto espanhol que atraiu tantos escravos fugitivos para Trinidad em 1790 foi revogado tão repentinamente quanto havia sido implementado.

De fato, quando o Governador Chacon emitiu a cédula, as práticas em Trinidad já não estavam mais em sintonia com as de outras áreas da órbita espanhola. Enquanto os escravos das ilhas britânicas e francesas enfrentavam dificuldades para chegar a Trinidad, o governador de Caracas, Juan Guillelmi, relatou com apreensão a chegada de vários negros de língua francesa ao continente. De acordo com Guillelmi, a chegada de cargas de escravos incluíam pessoas que “haviam passado muito tempo nas colônias francesas”. Ainda mais, os fugitivos francófonos chegavam regularmente a Caracas via Trinidad e Guillelmi temia que “muitos mais pudessem vir [ …] infectados pelas ideias perigosas que viram triunfar” nos territórios franceses rebeldes.23

Além disso, a ação de Chacon ainda contrariava as novas políticas que a Coroa havia implementado meses antes. Os primeiros relatos das colônias francesas levaram a Coroa a emitir a ordem de 17 de maio de 1790 que determinou que os escravos fugitivos das colônias estrangeiras não seriam mais bem vindos nos domínios espanhóis. Quatro dias depois, uma segunda ordem mais específica instruiu que as autoridades espanholas não mais permitissem a entrada de “negros comprados ou escapados das colônias francesas”, nem “qualquer outra pessoa de casta” que pudesse importar “ideias sediciosas” para as colônias.24 Quando finalmente souberam das novas estipulações no início do outono e as colocaram em vigor, as autoridades coloniais como Guillelmi ficaram aliviados e confiantes de que as notícias da mudança na política “sem dúvida se espalharão muito rapidamente nas colônias estrangeiras e acabará a transmigração” de escravos. Guillelmi foi ainda mais longe ao cogitar a expulsão de todos os escravos “estrangeiros”, embora nada indique que qualquer ação tenha sido tomada com base no seu decreto.25 Nas colônias britânicas, as autoridades publicaram a carta de retração de Chacon em destaque nos jornais das ilhas com expectativas semelhantes de que a mensagem circulasse entre os escravos e impedisse a onda de fugitivos para o território espanhol.26

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Outros assuntos além do édito de Trinidad e sua revogação geraram notícias entre todas as classes sociais de todo o arquipélago oriental em 1790. Com tantos territórios franceses muito próximos às ilhas inglesas e espanholas, em toda a sub-região houve um grande interesse popular.na Revolução Francesa. Em pouco tempo, a demanda crescente dos leitores por informações sobre os últimos acontecimentos, tanto na França quanto nas colônias, se transformou numa espécie de pequena indústria. No debate que se seguiu, envolvendo colônias britânicas e espanholas, bem como francesas, escravos e negros e pardos livres encontraram maneiras de se afirmarem.

Com sua fluidez política e extensa comunicação intercolonial, o Caribe oriental oferece evidências de que as notícias dos jornais eram compartilhadas na região. Os residentes não ingleses, por exemplo, às vezes se irritavam por depender da imprensa britânica para informações estrangeiras.·Um colono francês comentou (em um jornal publicado na Granada britânica), que “os jornais ingleses chegam em tão grande número” que a conversa de rua inevitavelmente tomam um viés britânico. No âmbito local, os editores e jornais nas ilhas britânicas conheciam seu público diverso e publicaram as suas matérias em inglês e francês, o que contribuiu ainda mais para o desenvolvimento do bilingüismo em todos os níveis.27

Entretanto, a Revolução Francesa inspirou os editores nas colônias a adquirir gráficas que logo deram origem a um novo tipo de jornal político. Esses jornais, publicados exclusivamente em francês, se especializaram na cobertura da Revolução Francesa e seus efeitos nas colônias francesas na América, reproduzindo as reuniões da Assembléia de Paris, bem como as novas assembléias coloniais. Tinham ampla distribuição e eram fonte fundamental de informação para os residentes e autoridades nas ilhas britânicas.28 O entusiasmo despertado pela Revolução Francesa estimulou até mesmo os residentes franceses das colônias britânicas a publicarem jornais que concorriam com as publicações dos jornais tradicionais. Essas novas gazetas também competiam entre si em termos políticos, algumas se referindo à linha “aristocrática”, e outras apoiando abertamente o Terceiro Estado.29

No vai-e-vem dessas publicações entre as ilhas francesas e inglesas, exemplares desses jornais, assim como folhetos franceses também vazaram para as colônias espanholas. Em Caracas e suas províncias, as autoridades relataram algum sucesso em conter o fluxo de materiais impressos “estrangeiros”, grande parte deles fazendo referências à Revolução Francesa, entre dezembro de 1789 e março do ano seguinte. Durante este mesmo período, no entanto, os residentes franceses de Trinidad desafiaram abertamente as antigas restrições espanholas à imprensa. O surgimento em território espanhol de uma voz independente e solidária com os franceses resultou em uma ação oficial rápida e decisiva. No início de 1790, o governador de Trinidad tomou medidas para interromper a atividade de Jean Viloux, um imigrante francês que publicava um jornal semanal que incluía uma extensa cobertura de eventos na França e que também reproduzia debates e resoluções da Assembléia Nacional. O governador Chacon proibiu a venda do jornal de Viloux, fechou sua gráfica e recolheu todas as cópias existentes. Mas como um episódio de repressão explícita poderia suscitar mais debates era “melhor manter o silêncio”, Chacon inventou um pretexto falso – e sem dúvida transparente – para banir Viloux do território espanhol.30

Tanto a palavra impressa quanto a falada desencadearam rumores sobre a escravidão que exerceram uma forte influência na política no Caribe oriental entre 1789 e 1791. No final do verão de 1789, cópias de jornais britânicos relatando a agitação no parlamento em relação à questão do tráfico de escravos se disseminaram na Martinica e geraram suspeitas de que os ingleses podiam estar espalhando boatos, visando incitar os escravos. Se esta acusação procede ou não, o fato é que as notícias provenientes de alguma fonte sobre os acontecimentos no Parlamento certamente chegavam à rede de comunicação entre os escravos em Martinica antes do que as notícias mais amplas sobre a Revolução Francesa. No início de setembro quando os escravos nas colônias inglesas vizinhas contemplavam a possibilidade de que um ato parlamentar proibisse a escravidão, surgiram indícios de descontentamento entre os escravos franceses na Martinica. Os trabalhadores negros começaram a abandonar as plantations na ilha francesa e, de acordo com um relatório, “a razão que eles apresentam é que, como todos os negros ingleses serão libertados, eles têm o mesmo direito”.31

Logo os ventos iriam soprar em outra direção. Uma revolta abortada de escravos e negros livres em Dominica em janeiro de 1791 mostra que os escravos nas áreas britânicas prestavam muita atenção às notícias das colônias francesas. Embora alguns historiadores tenham argumentado que o incidente da Dominica “devia muito pouco” à influência de eventos ou ideias nas colônias francesas vizinhas, existem evidências consideráveis que sugerem uma situação fluida na qual rumores iniciados em territórios franceses e britânicos – e possivelmente até mesmo em territórios espanhóis – se entrelaçavam e se reforçavam mutuamente.32 De fato, dadas as muitas e variadas conexões da Dominica com seus vizinhos não britânicos, seria surpreendente se tal intercâmbio não tivesse ocorrido. Localizada a meio caminho entre Martinica e Guadalupe, a Dominica ficava a apenas 40 quilômetros de distância de cada uma das ilhas francesas. Devido aos numerosos grupos de habitantes que gozavam de mobilidade nesta antiga colônia francesa em 1791, a ilha preenchia os requisitos para uma rápida e eficaz transferência de notícias e informações.

A Dominica parece ter sido uma ilha particularmente difícil de governar. No final da década de 1780, as autoridades frequentemente registravam sua frustração por não conseguir controlar o trânsito dos seus súditos, tanto dentro como fora da ilha. Em primeiro lugar, a geografia da ilha era propícia para os desertores das plantations de açúcar. A floresta densa e o terreno acidentado da Dominica abrigavam escravos fugitivos desde os primeiros dias da formação das fazendas, e os fugitivos de ilhas vizinhas como Guadalupe ao norte e Martinica ao sul muitas vezes conseguiam se estabelecer no interior da ilha. No início de 1788, o Conselho Privado da Dominica lamentou que, apesar dos recentes esforços para eliminar esses grupos de escravos, muitos permaneceram em liberdade e continuaram a manter uma ”correspondência considerável com as fazendas”.33

A estrutura de comércio da Dominica, que colocava seus residentes em contato constante com colônias e pessoas estrangeiras, proporcionou outra via de mobilidade e comunicação. Como um dos portos livres da Grã-Bretanha, a Dominica desempenhou o mesmo papel no esquema imperial no Caribe oriental que a Jamaica exerceu no ocidente. A partir de 1763, o comércio exterior tornou-se a base do comércio da Dominica. A partir de 1788, as embarcações francesas, espanholas e outras não britânicas constituíam 63% dos navios registrados na alfândega no porto local de Roseau.34 Da mesma forma, os marinheiros dominicanos viajavam frequentemente a bordo de navios mercantes para portos franceses, onde testemunharam em primeira mão a evolução da política francesa desde o antigo regime até a Revolução. Como atestam os depoimentos detalhados que chegaram às mãos do Governador Orde em 1788, a prisão, o trabalho forçado e a perda de salários foram experiências comuns para os marinheiros britânicos nas ilhas francesas. Mas depois de 1789, outros episódios, igualmente intensos, prenunciavam as mudanças fundamentais que já estavam no horizonte. Em dezembro de 1790, um navio francês armado “navegado por brancos e negros, livres e escravos” deteve um navio mercante britânico que operava na Martinica. Para o único marinheiro negro a bordo do navio inglês, “um criado do proprietário do navio”, as três noites de cativeiro temporário foram como se o mundo tivesse virado de cabeça para baixo. Somente ele podia circular livremente, enquanto o capitão e a tripulação eram mantidos acorrentados.35

Ao lado do sistema de comércio exterior legal da Dominica florescia uma forte contracultura do mercado negro. Assim como o terreno acidentado do interior da ilha ajudou os escravos fugitivos, milhas de costa desguarnecidas ajudaram os comerciantes ilegais a não serem detectados. O governador John Orde reclamava constantemente da “disposição de muitos aqui para participar do comércio ilegal” com os franceses e espanhóis e lamentou a enorme quantidade de.açúcar francês que os contrabandistas trouxeram para a ilha. Esse comércio ilegal havia se tornado parte da ordem local das coisas em Dominica, assim como tinha sido na Nova Inglaterra, várias décadas antes. De modo que em abril de 1790, quando alguém informou aos funcionários da alfândega sobre a chegada de mercadorias proibidas, uma “turba” se juntou nas ruas de Roseau e acusou um tal John Blair, a quem cobriu de piche e penas e espancou até ficar quase sem vida.36

É significativo que os navios e barcos que trafegavam entre as ilhas, tanto legal como ilegalmente, transportavam muitos negros e pardos livres das ilhas francesas. Seus números incluíam marinheiros e viajantes, bem como residentes mais permanentes. Em uma história da Dominica publicada em 1791, Thomas Atwood estimou que mais da metade das 500 pessoas livres de cor daquela ilha – um grupo “muito ocioso e insolente” – migrou das ilhas francesas.37 À medida que as revoltas nas ilhas francesas ganharam força depois de 1789, os residentes brancos das ilhas britânicas, como Atwood, lançaram um olhar atento sobre essas pessoas negras e pardas livres e móveis. Após o primeiro aniversário da Queda da Bastilha, a Granada chamou a atenção semanalmente para o “grande número de pessoas de cor que recentemente chegaram das colônias francesas” e expressou sua preocupação constante de que os residentes locais pudessem ser “enganados” pelas ideias daqueles “vagabundos que ultimamente têm aparecido aqui de forma tão questionável”. No final do ano, o mesmo jornal lamentou o surgimento dos “bailes de mulatos, cenário de diversão para os ociosos e dissolutos que pareciam ter lugar todas as noites em quase todas as ruas”.38

Em janeiro de l79l, os cidadãos brancos da Dominica presumiam que as pessoas negras e pardas de Martinica e Guadalupe introduziram as ideias sediciosas que haviam afetado as ilhas francesas. Na Martinica, a luta civil havia mudado momentaneamente em favor dos negros e mulatos, e chegou ao conhecimento do Governador Orde a informação de que os escravos daquela ilha haviam pela primeira vez começado a falar em público que a idea de uma “emancipação geral” era “seu fim e seu objectivo”.39 Quatro dias depois, um fazendeiro francês na Dominica advertiu ao Governador Orde que com a “chegada contínua de pessoas livres de cor, bem como de escravos da Martinica”, semelhantes “noções ilusórias” e “idéias falsas” já haviam sido introduzidas na mente dos escravos dele e de outros senhores. Ao chegar de afazeres na capital, os escravos haviam voltado às fazendas de seu distrito com a notícia de que o Governador Orde havia publicado uma ordem concedendo-lhes três dias por semana para trabalharem por conta própria sem supervisão e estipulando que seriam pagos por qualquer trabalho realizado para os fazendeiros. Em tempos comuns, os escravos poderiam ter ignorado esse rumor ou descartado como um absurdo. Mas com a intensidade crescente das revoluções e a abolição do tráfico de escravos e da escravidão pairando no ar, tanto nas colônias britânicas quanto nas espanholas, essa faísca fabricada poderia cair sobre lenha pronta para pegar fogo. Em questão de horas, os escravos abandonaram algumas propriedades e simplesmente se recusaram a trabalhar em outras.40

Durante um impasse de vários dias, funcionários e fazendeiros britânicos tentaram dispersar os rumores e negociaram com os escravos para que voltassem ao trabalho. De repente, em outra parte da ilha – “popularmente conhecido como o Bairro Francês” – começou uma revolta violenta. Um grupo de escravos “liderados por alguns mulatos livres” armados, matou um homem branco e realizou “outros atos de violência e hostilidade”.41 Sem embargo, um destacamento militar rapidamente controlou a revolta e os que não foram capturados imediatamente acabaram sendo presos nos seus esconderijos na floresta.

Os detalhes da revolta dominicana de 1791 oferecem um olhar revelador sobre as redes de comunicação afro-americana. Depois de sufocar a revolta, as autoridades dominicanas atribuíram a maior parte da culpa à “constante e inapropriada movimentação de embarcações estrangeiras” com trechos da costa sem vigilância, nos quais “frequentemente embarcavam e desembarcavam pessoas com propósitos suspeitos”. Não foram somente os “primeiros sinais de distúrbios” surgindo em lugares próximos de onde frequentavam os intrusos e os comerciantes ilegais, mas também que um dos líderes rebeldes, com trinta de seus seguidores, tentou escapar pela mesma via. A fim de interditar esses canais, Orde pediu que navios de guerra armados navegassem pelo literal barlavento da ilha para “impedir toda a comunicação entre a ilha e as ilhas estrangeiras”.42 Outras medidas visavam controlar as redes de comunicação internas da própria ilha. Novas leis determinavam que os donos de tabernas retirassem os negros de seus estabelecimentos na hora marcada; indicavam que “Danças e Assembléias” seriam monitoradas mais rigorosamente; e restabeleceram o antigo sistema de carteiras para os estivadores e outros escravos cujos trabalhos os obrigasse a sair das fazendas.43

Finalmente, Orde, fazendo eco ao governador Chacon na vizinha Trinidad, sugeriu “frear através de leis saudáveis e moderadas a licenciosidade dos editores”.44 O governador não tinha em mente a imprensa que estava a favor dos fazendeiros e comerciantes, apesar das críticas que fazia ao governo colonial e a Orde pessoalmente, mas sim um dos jornais recém-criados da região, um jornal popular publicado em francês sob o título intrigante L’Ami de la Liberté, l’Ennemi de la License (O amigo da liberdade, o inimigo da licença). Pela primeira vez, tanto o governador quanto seus críticos na imprensa pró-escravidão da ilha concordaram sobre a natureza subversiva da infame “gazeta francesa” publicada em Guadalupe. Como outras gazetas do gênero, L’Ami … publicava cópias de discursos e debates, mas mantinha uma forte política editorial, com matérias assinadas pelo pseudônimo “XYZ”, que atraiu a atenção dos dominicanos de ambos os lados, contra e a favor da questão da escravidão. Um jornal concorrente, de língua inglesa, atacou o editor do L’Ami, chamando-o de “um sujeito mulato sem nenhum caráter ou princípio”, mas admitiu que o jornal havia conquistado muitos e ávidos seguidores na Dominica. “Não era somente lido com avidez por pessoas de cor livres”, escreveu Thomas Anketell, editor do The Caribbean Register, “mas escravos negros eram assinantes dele, e é sabido que os negros aos domingos juntavam 25 centavos em dólar para comprá-lo, a fim de que fosse lido para eles”. O Conselho Privado de Dominica também denunciou o “estímulo dado [ …] aos escravos e às opiniões promulgadas a seu favor” por L’Ami.45

Como o jornal de Jean Viloux em Trinidad um ano antes, o L’Ami não poderia sobreviver indefinidamente enfrentando tamanha oposição. Pouco tempo depois, o controverso editor aparentemente teve que fugir. Mas um mês depois de uma série de execuções públicas brutais que marcaram o fim da insurreição na Dominica, “XYZ” e o seu jornal voltaram a aparecer, surpreendentemente, em Trinidad. No estilo jornalístico leve que havia se tornado tão familiar aos leitores dessa região do Caribe, ele provocava Anketell e outros adversários. Embora perseguido por detratores tanto na Martinica como na Dominica, o editor anônimo havia chegado “são e salvo” à ilha espanhola. Mas essa experiência tinha apenas fortalecido a sua determinação de usar a caneta em defesa da liberdade. Em breve, ele e as ideias que abraçava estariam “a caminho do topo”.46

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Em São Domingos, a execução de Ogé ocorreu apenas algumas semanas após a supressão da breve revolta da Dominica, em janeiro de 1791. Nos meses seguintes, as divisões entre os brancos na colônia francesa aumentaram, tal como o conflito entre os colonos e os legisladores em Paris. A notícia da morte violenta de Ogé pelas mãos de colonos brancos levou a Assembléia Nacional na França a aprovar, em 15 de maio de 1791, uma medida que concedia direitos de cidadania a um percentual pequeno de mulatos e negros livres e deu um passo ainda mais audacioso de afirmar o direito da Assembléia de legislar sobre o status das pessoas nas colônias. As notícias sobre o Decreto de Maio chegaram a São Domingos em 30 de junho e, segundo um membro da elite, “nenhuma palavra pode descrever a fúria e a indignação que imediatamente se espalharam por toda a colônia”. Os grandes proprietários da colônia reagiram ao que consideravam ser uma intrusão perigosa nos assuntos coloniais, restabelecendo as assembléias locais e regionais para fazer oposição à autoridade da Assembléia na França. Nos meses seguintes, os ataques violentos aumentaram muito contra negros e mulatos livres que ousavam falar em defesa dos seus direitos recentemente concedidos. Os fazendeiros e comerciantes começaram a falar abertamente sobre independência total da França. A turbulenta situação política criou uma oportunidade para que os escravos também pudessem entreter suas ideias de independência. Enquanto brancos e mulatos debatiam entre si, já em julho, relatórios esporádicos das províncias do Norte e Oeste falavam de uma súbita onda de revoltas de escravos. Preocupada com outras questões, contudo, a classe dos fazendeiros não deu importância a esses sinais da rebelião em massa que se aproximava.47

Na noite de 22 de agosto de 1791, mesmo enquanto os representantes dos fazendeiros se dirigiam ao Cap Français para convocar uma assembléia regional, escravos na rica planície do norte ao redor do Cap iniciaram a sua rebelião. Durante semanas os líderes negros já haviam espalhado a notícia da revolta pretendida e, quando chegou o momento, a rebelião generalizada e bem planejada pegou os brancos desprevenidos. Horas depois do primeiro levante de escravos numa propriedade localizada a quinze quilômetros do Cap, cerca de 100.000 escravos tomaram conhecimento e aderiram à revolta, incendiando as fazendas e atacando sem piedade os proprietários de escravos e as suas famílias. Imediatamente, os funcionários do Cap Français enviaram delegações à Cuba, Jamaica e Estados Unidos para pedir assistência na luta contra os rebeldes negros, mas receberam pouco apoio. Para piorar ainda mais a situação, poucos dias após a rebelião nas províncias do norte, mulatos e negros provocaram uma segunda onda de revoltas armadas no ocidente. Batalhas terríveis entre as tropas governamentais e rebeldes mal armados resultaram em milhares de mortes entre os rebeldes, mas essas derrotas não conseguiram impedir as invasões e a destruição das fazendas nos arredores, e até ameaçaram invadir as cidades, agora já lotadas com milhares de refugiados brancos. Dois meses após a revolta no norte, os funcionários franceses estimaram que mais de 2.000 brancos tinham perdido a vida, e que os rebeldes tinham destruído 180 canaviais e mais de 900 propriedades dedicadas à produção de café, algodão e índigo.48

As notícias dos acontecimentos sem precedentes em São Domingos em agosto de 1791 chegaram rapidamente a todas as partes das Américas, mas estes acontecimentos obviamente interessavam a residentes de outras sociedades agrárias escravistas. Nunca na história da escravidão no Novo Mundo os negros tinham sido tão violentos contra os seus opressores e, em meados de 1792, observadores de todas as Américas reconheceram que os rebeldes de São Domingos não permitiriam que os franceses pusessem um rápido fim à revolução que havia começado.

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Através das estreitas ligações comerciais entre os territórios, um número substancial de norte-americanos desde o início tinha interesse pessoal na revolução em São Domingos. Nos anos que antecederam e que se seguiram à rebelião dos escravos de 1791, navios dos principais portos da recém-criada nação dos Estados Unidos frequentavam os portos da colônia francesa. Além de fornecerem farinha, madeira e outros bens dos quais os franceses desesperadamente precisavam durante a depressão comercial do início da década de 1790, os navios mercantes dos Estados Unidos mantiveram os seus residentes, bem como os do Caribe, a par da situação em São Domingos.

Quando os acontecimentos na França de 1789 restringiram o número de navios provenientes da Europa, os navios dos Estados Unidos passaram a suprir as necessidades da colônia francesa. No final de 1790, os navios norte-americanos representaram uma ajuda crucial para uma economia instável. Sem os americanos para fornecer farinha e outras provisões, escreveu um colonizador francês durante a época de escassez e preços elevados, “estaríamos em circunstâncias das mais extremas”. Ele não exagerou a importância dos comerciantes dos Estados Unidos nos meses que antecederam a rebelião dos escravos. Numa típica semana de final de agosto e princípio de setembro de 1790, navios vindos de New London, Newburyport, Boston, Filadélfia, Baltimore, Hampton e Charleston chegaram em Port-au-Prince, e em Cayes chegaram navios de Salem, Boston, e Norfolk. Durante o mesmo período, navios partiram destes portos de São Domingos para Baltimore, New Bern, Boston, Filadélfia e Nova Iorque.49 No Cap Français, o maior porto de São Domingos e o mais acessível à navegação rumo ao sul, agentes comerciais e capitães de navios americanos relataram ”cerca de cinquenta embarcações americanas [ …] e outros chegando diariamente” em fevereiro de 1790 e “um grande número de americanos” ancorados um ano mais tarde.50

Após o início da rebelião em Cap, em agosto de 1791, os navios dos Estados Unidos foram determinantes na disseminação de notícias sobre a insurreição em outras partes das Américas. Os navios mercantes norte-americanos que se dirigiam para os seus portos de origem forneciam informações valiosas às autoridades espanholas e, presumivelmente, a outros residentes interessados, durante escalas em Cuba. Os seus relatórios abrangentes e detalhados indicam que tanto os capitães como a tripulação sabiam que haviam testemunhado o desenrolar da história. Num período de oito semanas entre o final do verão e o outono de 1791, o capitão John Davison da Charming Sally assistiu a batalhas entre insurgentes negros e tropas governamentais tanto em Cap Français como em Porto Príncipe. Davison inclusive descreveu um momento surpreendente dos rebeldes no exercício do poder recentemente adquirido em que uma delegação de rebeldes negros armados entram em Porto Príncipe “exigindo a liberdade dos Homens, caso contrário, deixariam a cidade em Cinzas”. Em 1793, traficantes de escravos americanos que re-exportavam africanos das ilhas do Caribe para os Estados Unidos haviam substituído os seus rivais espanhóis e franceses na função de principais fornecedores de escravos e informações de São Domingos para Cuba. As embarcações que iam e vinham de Charleston pareciam estar especialmente ativas neste período.51

Os americanos que participavam do comércio com São Domingos durante os primeiros anos da revolução escrava constituíam um grupo heterogêneo e representavam várias correntes políticas. Nos portos americanos, organizações de marinheiros como a “Marine Anti-Britannic Society”, de Charleston, apoiavam a Revolução Francesa e marinheiros procedentes dos estados do norte que se encontravam em São Domingos juntavam-se ao povo local para brindar à saúde da República.52 Embora as autoridades francesas recebessem bem o comércio com navios ianques, eles reclamavam que os americanos tendiam a fazer negócios com todas as facções presentes na colônia. Em 1792, um almirante francês temia as consequências de um declínio no comércio americano com os desesperados colonos brancos, mas no ano seguinte outro oficial da marinha solicitou que uma fragata ou navio de guerra fosse ancorado na costa de Porto Príncipe para interceptar “intrusos” americanos, o que parece indicar que os americanos estavam fazendo comércio com os rebeldes.53 Depois que as declarações de guerra contra a França em 1793 impulsionaram os ingleses e espanhóis a invadir a colônia rebelde a partir de direções opostas, em tentativas simultâneas de anexá-la, o comércio norte-americano fortaleceu as forças de ocupação de ambas as nações.54

Notícias dos acontecimentos em São Domingos chegaram rapidamente aos Estados Unidos a bordo desses navios mercantes. Quando Vincent Ogé chegou a Charleston no final de 1790, os jornais da cidade portuária da Carolina do Sul por cerca de oito meses já estavam usando relatórios de capitães dos navios para dar notícias sobre as lutas raciais e de diferentes facções no Caribe francês; no ano seguinte, os jornais de Charleston republicaram os despachos traduzidos de assembléias coloniais no Caribe francês e documentos europeus importantes, como a Declaração dos Direitos do Homem.55

Não chega a surpreender que os relatos sobre as dramáticas ocorrências em São Domingos renderam bastante para a imprensa, fornecendo assunto para inúmeras matérias discutidas ao longo da costa leste norte-americana nas últimas semanas de 1791. Assim que conseguiam confirmar os relatos orais, os editores de jornais publicavam matérias sobre a rebelião negra. A primeira notícia sobre a revolta só chegou à Filadélfia em meados de setembro de 1791, mas quando os jornalistas mais cautelosos finalmente confirmaram a veracidade desses primeiros relatos, diversos jornais rivais, da Nova Inglaterra até a Carolina do Sul, já haviam publicado histórias longas e chamativas sobre os acontecimentos da noite de 22 de agosto.56

Enquanto assimilavam os relatos sobre a insurreição em São Domingos, os brancos logo perceberam os primeiros indícios de que a notícia havia chegado aos ouvidos dos negros norte-americanos. Relatos da crescente inquietação entre escravos ao longo da costa forçaram as autoridades a buscar estratégias para desmontar as redes de comunicação que os escravos utilizavam para se manter informados sobre os acontecimentos em outras partes da bacia do Atlântico. A legislatura da Virgínia, por exemplo, tomou várias medidas para suprimir a discussão pública de assuntos externos durante as primeiras etapas das revoluções na França e em São Domingos. Durante a primavera de 1792, sinais de uma iminente revolta geral de escravos apareceram na região do leste da Virginia. Investigadores oficiais do estado culparam “o.exemplo do Caribe” pelas conspirações locais de escravos que descobriram em Northampton e Norfolk. Esta descoberta levou a Assembléia Geral do estado a revisar todo o seu código de escravidão e impor restrições mais rígidas contra reuniões de escravos, qualquer que fosse o propósito. No final do mesmo ano, os magistrados recorreram a medidas mais abrangentes para conter a propagação da agitação política e da incerteza no estado, tanto entre os escravos como na população em geral. Uma lei de dezembro de 1792 revela até que ponto os governantes da Virgínia temiam as consequências da disseminação descontrolada de informações e ideias, ao mesmo tempo que expõe a sua sensação de impotência para controlá-la. Citando as muitas “pessoas ociosas e de mente abarrotada”, que “forjam e divulgam falsos rumores e relatos”, as autoridades civis impuseram uma “Lei contra divulgadores de notícias falsas” que permaneceu em vigor durante a maior parte da década.57

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Na Jamaica, a colônia produtora de açúcar cuja economia e demografia mais se assemelhavam às de São Domingos, a notícia da rebelião na vizinhança teve um efeito profundo e duradouro. Menos de duas semanas haviam se passado entre a noite de 22 de agosto e o surgimento dos indícios iniciais de que os jamaicanos brancos estavam discutindo a revolta e circulando entre si as notícias sobre o evento. As notícias sobre a revolta podem ter chegado à maioria negra da ilha ainda mais cedo. Em 7 de setembro, o governador Effingham informou ao Secretário de Estado sobre a “Terrível Insurreição dos Negros”, a partir de relatos que ele recebeu de emissários enviados da colônia francesa para “implorar ajuda” da Assembléia da Jamaica. Mas a essa altura, as notícias sobre a insurreição já estavam circulando nas ruas de Spanish Town e Kingston. Em 10 de setembro, William Dineley, um “cirurgião da Guiné” que tinha trabalhado no tráfico de escravos na África e estava passando muito tempo nas docas tentando conseguir uma passagem de volta para a Inglaterra, escreveu ao comerciante de Bristol, James Rogers, sobre “uma rebelião [ …] em alguns dos assentamentos franceses”, acrescentando que “os negros mataram muitos brancos”.58

Enquanto oficiais do governo como Effingham e cidadãos como Dineley expressavam urgente preocupação em suas cartas seladas, publicamente parece ter havido um esforço por parte dos brancos jamaicanos para suprimir a discussão sobre a revolução crescente na vizinhança. Buscava-se em vão, por exemplo, por informações sobre a colônia francesa nas páginas do jornal semanal mais informativo da Jamaica. De outubro de 1791 até o final do ano, apenas uma referência breve e insípida sobre “problemas recentes em Hispaniola” foi publicada na Royal Gazette de Kingston – e isso somente três meses após o início da rebelião.59 A conspiração oficial do silêncio – uma medida que visava amenizar o medo dos brancos e apagar as esperanças dos negros com relação às revoltas de escravos nas redondezas – persistiu mesmo quando o governo recorreu a estratégias defensivas mais evidentes. Uma mulher, membro da congregação Metodista em Kingston, acrescentou uma nota irônica à sua longa e detalhada descrição da turbulenta “situação política” da Jamaica no final de 1791. Embora os rumores de agitação escrava continuassem a aumentar, as unidades da milícia treinavam noite e dia e as pessoas falavam abertamente sobre a possibilidade de lei marcial, ela escreveu que “a intenção é manter sigilo sobre os motivos para tudo isso”.60 Ciente de que mesmo a comunicação escrita compartilhada de forma privada corria riscos desnecessários no mundo onde notícias de interesse da maioria negra poderiam se espalhar rapidamente sem controle, observadores brancos mantinham-se em alto estado de alerta e autocensura. A avaliação de um correspondente sobre a mesma situação tensa referiu-se indiretamente a algumas “circunstâncias particulares que consideramos, no momento, impróprias para serem colocadas no papel”.61

Em contraste com esse silêncio cuidadoso entre os brancos livres, seus escravos rapidamente demonstravam ávido interesse pela rebelião em São Domingos, interesse que às vezes se tornava público o suficiente para que os brancos o notassem. O comandante das forças militares da ilha observou que os escravos jamaicanos eram “imediatamente informados de todo tipo de notícia que chegava” e conheciam “perfeitamente todas as transações no Cabo François”. Em meados de setembro, a revolta dos escravos franceses já havia encontrado expressão na cultura oral dos escravos jamaicanos: as canções tradicionais agora incluíam novas estrofes que descreviam “os negros que haviam feito a rebelião em Hispaniola”.62 À medida que o fim do ano se aproximava, relatórios vindos de várias partes da Jamaica, tanto da cidade quanto do campo, ecoaram essas observações. Em novembro, dizia-se que os escravos de Kingston estavam “perfeitamente familiarizados com tudo o que se fazia em Hispaniola”. Os magistrados da paróquia de Clarendon, localizados no centro, prenderam vários “líderes negros de algumas das fazendas” por falarem “muito abertamente sobre a rebelião em Hispaniola”. Além de celebrar a resistência dos “ ‘Negros no país francês’ (expressão usada por eles)”, os prisioneiros confessaram ter “expressado também sua esperança de que uma revolta semelhante ocorresse em breve na Jamaica”.63 Embora essa esperança nunca tenha se tornado realidade, a revolta dos escravos em São Domingos teve uma influência muito grande sobre a ilha britânica, como ocorreu em todo o Novo Mundo, e permaneceu como elemento fundamental para a política regional durante uma geração.

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Os Jamaicanos mal haviam começado a se ajustar à realidade de São Domingos quando fortes ventos e correntes e a curta distância da colônia francesa à costa jamaicana trouxeram a revolução vizinha para mais perto. Os negros de São Domingos começaram a chegar à Jamaica logo após os levantes de agosto e setembro de 1791. Muitas dessas testemunhas oculares da revolução permaneceram escravizadas sob a custódia de seus proprietários emigrados, enquanto outras tiraram proveito da desorganização dos fazendeiros para escapar da escravidão. As autoridades jamaicanas imediatamente expressaram preocupação com os dois tipos de imigrantes negros da colônia francesa. Em meados de setembro, após o aparecimento da primeira onda de refugiados brancos, o governador Effingham emitiu ordens destinadas a “impedir que seus negros viessem se misturar com os nossos”. Essas medidas proibiam o desembarque de negros “sem permissão específica” e bania todo “negro” que chegasse. Controlar a chegada de imigrantes negros e pardos sem senhor, no entanto, apresentava um problema maior. Mesmo com as ordens de Effingham entrando em vigor, “várias canoas haviam chegado à costa leste da Jamaica com negros de St. Domingo.”64

Entre 1791 e 1793, o medo de que qualquer “negro francês”, escravizado ou não, pudesse comunicar o espírito de rebelião aos negros na Jamaica moldou a política oficial. Embora as primeiras leis não proibissem estritamente o desembarque de não-brancos de São Domingos, elas estabeleceram alguns limites. Uma proclamação real emitida em dezembro de 1791 proibiu “pessoas de cor livres e negros livres” de se estabelecerem na Jamaica antes que “dois chefes de família (brancos) conceituados” testemunhassem sobre seu bom caráter perante o magistrado-chefe da paróquia. A Assembléia fazia verificações periódicas solicitando nome, endereço e autorizações oficiais de todos os mulatos e negros livres de língua francesa que viviam na Jamaica. Após a chegada de uma segunda onda de imigrantes de São Domingos a partir do primeiro dia do ano, incluindo empregados domésticos negros, o recém-nomeado governador Adam Williamson reiterou as instruções anteriores de Effingham de que os magistrados locais deveriam ser “muito vigilantes para que não haja comunicação entre os servos franceses e escravos ingleses”.65

Citando a necessidade de impedir “a comunicação entre os escravos desta ilha e os escravos [ …] trazidos da ilha de Santo Domingo”, a Assembléia aprovou uma lei em maio de 1792 que estabeleceu diretrizes rígidas para o emprego de escravos “estrangeiros” na Jamaica. De acordo com suas disposições, ninguém podia “comprar, alugar ou empregar” qualquer escravo trazido para a ilha depois de 23 de agosto de 1791 – o dia seguinte ao início da rebelião em São Domingos. Mas, para acomodar os refugiados franceses, a maioria dos quais estavam em Kingston, esses escravos podem ser empregados legalmente em “cidades portuárias”, com a condição de que nunca lhes seja permitido “transladar-se ao interior”.66

Assim que essa lei entrou em vigor, no entanto, as autoridades encontraram várias camadas de resistência aos seus esforços para monitorar as atividades dos escravos franceses que trabalhavam na Jamaica. Como os proprietários e empregadores nas áreas urbanas se recusaram a registrar seus escravos estrangeiros junto aos magistrados locais, a Assembléia não tinha como acompanhar o número de escravos franceses que trabalhavam na ilha. Outros empregadores de mão-de-obra negra optaram por ignorar completamente a lei do “escravo estrangeiro”. Nathaniel Bayly, dono de várias propriedades perto da costa nordeste, não achava nada de errado em importar negros franceses. Pelo menos dois navios mercantes que iam a São Domingos saindo de Port Maria, um pequeno porto na costa norte da Jamaica, traziam de volta agrupamentos inteiros de escravos de língua francesa e crioula para trabalhar nas fazendas de açúcar de Bayly. Os investigadores da paróquia, horrorizados, descobriram que muitos destes trabalhadores sem documentos eram “de capacidade aprimorada e falam inglês e francês”. Como os observadores brancos reconheceram, a capacidade de traduzir palavras e ideias francesas para o inglês representava uma ameaça constante. Mas isso foi amplificado pelo fato de que muitos africanos escravizados ainda podiam se comunicar em suas línguas ancestrais. “Embora nossos negros não entendam francês”, advertiu o Royal Gazette da Jamaica, “todos eles conhecem seu próprio país”.67

Nas cidades, a teia básica de contatos no meio urbano logo aproximou os recém-chegados de São Domingos aos locais. Também forneceu oportunidades para os imigrantes negros e pardos estabelecerem suas próprias redes de apoio. A partir de meados de 1792, em Kingston e Spanish Town, um fluxo constante de fugitivos de língua francesa foi dirigido a asilos, onde os residentes foram obrigados a trabalhar. A maioria era formada por mulheres – domésticas escravizadas por refugiados brancos da revolução em São Domingos – que foram recolhidas junto com o costumeiro elenco heterogêneo de desertores locais. A habilidade de se comunicar em inglês pode ter predisposto alguns desses escravos de confiança a buscar a liberdade neste novo lugar. Um colono francês perdeu dois membros de sua casa entre 1792 e 1793. O cabeleireiro Charmant fugiu em agosto de 1792 para seguir sua profissão de forma independente em Kingston. Daphne, que deixou o emprego da Sra. Espent no mês de março seguinte, era suspeita de ter se escondido em Kingston “com alguns daqueles mulatos que escaparam da punição merecida em Santo Domingo”. Charmant e Daphne falavam inglês e francês.68

Enquanto buscavam controlar a vida dos escravos franceses que vinham para a Jamaica com seus senhores, as autoridades também prestavam muita atenção aos negros que iam para a ilha sem senhores. Reagindo aos primeiros relatos sobre as chegadas de canoas na costa leste escassamente povoada e vulnerável da Jamaica, o governador trabalhou com oficiais navais e autoridades portuárias para impedir que negros franceses chegassem à Jamaica sem serem detectados. Separada de São Domingos por um canal de apenas 160 quilômetros de largura em seu ponto mais estreito, a Jamaica ficava bem ao alcance até mesmo de pequenos barcos sem convés que partiam de Hispaniola ocidental, e os ventos predominantes do oeste permitiam a passagem suave e rápida. O almirante em Port Royal mudou rapidamente os navios sob seu comando para posicioná-los ao longo das costas do norte e do leste. Em junho de 1792, oficiais da marinha encarregaram um navio de guerra que cruzava o canal entre a Jamaica e São Domingos da tarefa específica de “interceptar navios com negros fugitivos” da colônia francesa.69 Além disso, eles orientaram os capitães nos portos livres para “tomar nota” dos negros e pardos a bordo de todos os navios estrangeiros que chegavam e para garantir que os marinheiros não brancos partissem nos navios em que chegaram.70

Nem essas precauções cuidadosas foram capazes de manter fora da Jamaica uma gama informada e variada de viajantes negros de São Domingos. Muitos deles chegavam de uma forma que relembra a chegada dos escravos ingleses e franceses que se dirigiam para Trinidad alguns anos antes: conseguiam fugir dos navios de guerra que patrulhavam a costa e chegavam à Jamaica em canoas e outras embarcações abertas destinadas à pesca e ao comércio costeiro. Os relatos da chegada de canoas com fugitivos a bordo, inicialmente vagos, ficaram cada vez mais detalhados à medida que semanas de rebelião se transformaram em meses. Robert Bartlett, capitão da guarda municipal de Kingston, relatou que prendeu oito “negros perigosos”, seis homens e duas mulheres, que “chegaram em um barco aberto e atracaram no extremo oeste da cidade” em setembro de 1793. No mês seguinte, o escrivão do juiz de paz da cidade revelou que mais cinco “pessoas de cor livres” que haviam chegado pelos mesmos meios foram detidas, presas e, posteriormente, deportadas.71

Alguns dos passageiros a bordo dessas canoas eram na verdade ex-residentes da Jamaica que foram vendidos ou transportados e estavam aproveitando a desarticulação causadas pela revolução em São Domingos para retornar às famílias e aos amigos na colônia inglesa. Um prisioneiro na casa de trabalho forçado na paróquia de St. James, em abril de 1792, disse às autoridades que havia sido transportado, mas “fugiu de Hispaniola há cerca de seis meses, com outras três pessoas, em uma canoa”. Um navio dos Estados Unidos o apanhou no mar e o trouxe para a Jamaica. Enquanto se dirigia da costa norte para Kingston, a tripulação de uma chalupa britânica descobriu uma canoa” que se dirigia para a Jamaica. Ao serem apanhados, os sete negros a bordo relataram – em inglês – que “eram escravos de certos franceses da ilha de São Domingos, que anteriormente os haviam comprado de pessoas desta Ilha”.72

Emigrantes pretos e pardos de São Domingos chegaram a bordo de navios maiores também. No início de 1792, a Guarda Municipal de Kingston prendeu “mais de vinte negros estrangeiros, de Aux Cayes, Jeremie e outros portos de Hispaniola” em uma residência particular no distrito do cais da cidade. Tendo sido “desembarcados em épocas diferentes de navios que negociavam para este porto”, a maioria desses “camaradas robustos” falava inglês e alguns moravam na Jamaica clandestinamente há três meses.73 Em maio, as autoridades apreenderam mais rapidamente “um homem negro chamado Ferror”, um nativo de São Cristóvão que falava inglês. Dois dias depois de sua chegada a Port Royal a bordo de um navio inglês de Saint-Marc, uma cidade portuária no oeste de São Domingos, eles internaram Ferror na casa de trabalho de Kingston por ter desempenhado “um papel muito ativo nos terríveis ultrajes nas proximidades de São Marcos”.74 Naquela mesma semana, um homem que passeava ao longo da orla à noite “avistou, para seu grande espanto, mais de quarenta estrangeiros de cor e negros, uniformemente vestidos, chegando ao litoral, aparentemente, tendo acabado de desembarcar” de um navio que chegou a Port Royal.75

Ao longo de 1792 e no início do ano seguinte, relatórios dos últimos acontecimentos em São Domingos chegavam constantemente a bordo dos navios que mantinham intercâmbio ininterrupto entre as colônias britânicas e francesas. Praticamente todas as edições da Royal Gazette, mesmo carecendo de notícias diretas sobre a rebelião dos escravos em São Domingos, incluíam notícias de chegadas e partidas de navios franceses e britânicos que participavam do comércio ativo, embora modesto, entre as duas colônias. As embarcações que chegavam não só traziam notícias na forma de panfletos e outros materiais impressos, mas também abriam alguma possibilidade de contato humano entre negros que trabalhavam em ocupações marítimas de ambas as costas. Mesmo com as políticas mais rígidas em vigor em relação ao desembarque de escravos e mulatos franceses e marinheiros não brancos, podia se ver um ou outro marinheiro negro de língua francesa perambular em liberdade nas ruas de Kingston e Spanish Town.76 Em janeiro de 1793, uma dupla de marinheiros negros escravizados da uma escuna francesa abandonou seu navio e desapareceu no submundo de Spanish Town, sendo presos três dias depois. Aparentemente, seu breve encarceramento teve pouco ou nenhum efeito de intimidação; a mesma dupla logo acabou na casa de trabalho em uma viagem subsequente à Jamaica.77

Significativamente, mas não surpreendentemente, existem fragmentos de evidências sobre marinheiros jamaicanos negros e pardos que queriam viajar na outra direção para testemunhar, ou mesmo aderir, à rebelião em São Domingos. Pelo menos dois marinheiros mulatos demonstraram interesse ativo em fazer a viagem para a colônia francesa à medida que a revolução continuava. Em maio de 1792, um homem de cor livre “que se dizia ser empregado de um pequeno navio que comercializava de Port-Royal para Hispaniola” atacou o oficial da marinha que não permitiu que ele embarcasse, presumivelmente para São Domingos. No ano seguinte, outro mulato a bordo de uma escuna com destino a Curaçao assassinou seu capitão, “assumiu o comando da embarcação e levou-a para a parte francesa de Santo Domingo”.78

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Na mente dos brancos jamaicanos, a questão da mobilidade durante os primeiros anos da Revolução Haitiana refletia uma preocupação maior com o exemplo poderoso que a rebelião negra representava. Nos meses que se seguiram a agosto de 1791, muitos observadores brancos detectaram tendências ocultas de resistência entre os escravos jamaicanos, o que para eles estava relacionado às notícias de São Domingos. Os escravos jamaicanos mostravam grande interesse e conhecimento sobre as transações na colônia francesa, escreveu um membro da minoria branca em novembro de 1791. Já as notícias de São Domingos, ele notou, haviam tornado os trabalhadores negros “pessoas tão diferentes do que eram”. Ele concluiu, a partir dos recentes acontecimentos, que “as Idéias de Liberdade mergulharam tão profundamente nas mentes de todos os negros que, onde quer que as maiores precauções não sejam tomadas, eles levantarão”.79

Como as autoridades previam desde o início, a agitação escrava e os rumores de revolta desencadeados pelas notícias do início da Revolução Haitiana surgiram com força especial ao longo da costa norte da ilha. Não apenas a longa costa da Jamaica estava ao alcance de colônias estrangeiras e era atraente para navios estrangeiros, mas as defesas da ilha estavam concentradas no canto sudeste da ilha perto de Port Royal, Kingston e a capital de Spanish Town. Ao longo da história da Jamaica como colônia escravista britânica, o lado norte sempre foi o centro da insurreição, e o inverno de 1791–92 chegou perto de repetir cenas anteriores de violência. Enquanto escravos no litoral se inspiraram por relatos sobre a revolta na ilha vizinha para reavivar as “Idéias de Liberdade”, os moradores brancos de paróquias do norte se preparavam para a possibilidade de uma rebelião semelhante na Jamaica. Suas observações cuidadosas abrem uma janela valiosa para enxergar a comunicação e a política nesta região entre 1791 e 1793.

Nas últimas semanas de 1791, os fazendeiros da costa norte não demoraram a se organizar. Nas reuniões de proprietários em cada paróquia criaram “comitês de sigilo e segurança” encarregados de reunir todas as informações relativas à atividade escrava local e manter as linhas de comunicação abertas entre as paróquias. Embora parte do “alarme” parecesse exagerado para as autoridades que desfrutavam de segurança em Spanish Town, no final de novembro os comitês de segurança perto da costa no outro extremo da ilha, nas paróquias de St. James, Trelawny e St. Ann, relataram “o grande motivo de prevenir uma Insurreição no lado norte “.80 A “reação defensiva” dos brancos jamaicanos assumiu várias formas. Cada cidade colocou à prova unidades de milícia recém-formadas após um hiato de nove anos. A Assembléia pediu a Londres armas, soldados e navios de guerra. Com a aproximação da época do Natal, tradicionalmente a época mais difícil do ano para impor a disciplina, o governador e a Assembléia instituíram a lei marcial em toda a ilha a partir de 10 de dezembro.81

As notícias da Revolução Haitiana ocuparam um lugar proeminente, ou central, na atmosfera de tensão, empolgação e medo ao longo da costa norte, antes e depois da imposição da lei marcial. O comitê de segurança da paróquia de St. James, por exemplo, descobriu e relatou vários incidentes, confirmando que os relatos da revolta de São Domingos estavam se espalhando pelas comunidades escravas da região. Em Montego Bay, um jovem chamado Guy, descrito como um “criado [ …] extremamente espertalhão”, soube dos “negros do barlovento” que “São Domingos se revoltou, matou os Boccaras [brancos] e tomou o país”. Guy e seu amigo Congo Jack podem ter contribuído para transmitir essa notícia do leste aos interlocutores no oeste. Ao ser interrogado, confessou que ele e seu amigo “eram mensageiros de informações e se relacionavam com negros em algumas propriedades em Westmoreland”. Relatos das fazendas situadas na paisagem montanhosa com vista para Montego Bay diziam que os escravos estavam “muito cientes do que aconteceu no exterior”. Ignorando as ordens “para manter os assuntos de Santo Domingo em segredo”, um advogado que trabalhava na propriedade de Green Pond em St. James iniciou uma conversa sobre a situação em São Domingos com os escravos. Para sua surpresa, o feitor “já estava totalmente informado sobre o assunto”, e até acrescentou detalhes de rebeliões planejadas em outras paróquias das quais o advogado não tinha ideia.82

Os integrantes do comitê rastrearam esses relatos até a costa, descobrindo que envolviam pequenos comerciantes estrangeiros e marinheiros que tinham vindo para a Jamaica em conexão com a Lei do Porto Livre. Em meados de novembro, um empregado branco de uma fazenda “ouviu um negro ajuizado dizer a alguns outros que tinha estado em Montego Bay [ …] e alguns espanhóis disseram a ele que os negros em Hispaniola agora eram livres e gozavam dos direitos dos homens brancos”. J. L. Winn, o comerciante quaker de Montego Bay que presidia o comitê de segurança de St. James, disse que alguns relatórios de inspiração espanhola abordavam um tema agora já familiar. Não apenas os “negros franceses [ …] obtiveram toda a sua liberdade”, mas o mesmo iria acontecer com os escravos britânicos; apenas a oposição dos fazendeiros locais impedia o desejo do rei da Inglaterra de que eles fossem livres. As acusações de jamaicanos proeminentes contra os espanhóis não paravam aí. Além de responsabilizar a presença espanhola pela circulação de “relatos exagerados” sobre a rebelião de escravos em São Domingos, Winn e seus associados os acusavam de ajudar os escravos da costa norte a obter armas, enquanto jamaicanos negros se organizavam para seguir o exemplo dado pelos rebeldes francófonos.83

Essas constatações justificam uma série de medidas tomadas nas paróquias do norte com o objetivo de inibir a comunicação entre os escravos locais e os estrangeiros que frequentemente repassavam notícias sobre os acontecimentos mais recentes. Em St. James, assim como em outros lugares, essas precauções atingiram principalmente os espanhóis locais, incluindo comerciantes respeitáveis e aqueles que trabalhavam para eles. Eles haviam se estabelecido na costa visando o comércio lucrativo de escravos, animais e outros artigos que já eram legais há muito tempo. Em Montego Bay, o comitê de segurança começou a impor novas regras em meados de novembro, exigindo que os marinheiros estrangeiros estivessem a bordo de seus navios depois das oito horas da noite e restringindo as partidas e chegadas às horas do dia. Em poucos dias, medidas mais rígidas exigiram a partida imediata de um grande número de “vadios” espanhóis – embora apenas cerca de trinta dessas pessoas tenham sido expulsas – e lançaram um esforço simultâneo para evitar que outros espanhóis suspeitos “se ocultassem no país”. Embora esse conjunto de medidas “tenha agradado aos próprios comerciantes espanhóis”, de acordo com Winn, muitos cooperaram com relutância, se é que cooperaram. Um capitão recusou-se a transportar prisioneiros de volta para Cuba, pois “todos eram assassinos e ladrões que fugiram da justiça e atacaram a tripulação e tomariam o comando de seu navio”.84

É significativo que os problemáticos “espanhóis” da costa norte da Jamaica no início da década de 1790 incluíssem muitas pessoas negras e pardas. Um dos residentes perseguidos pela lei em novembro de 1791 era um “negro espanhol” chamado Philip. No final daquele mês, Philip foi preso após tentar sem sucesso comprar pólvora em várias lojas em Montego Bay. O perfil da vida de Philip traçado no relatório do comitê de segurança de St. James fornece um retrato impressionante do tipo de indivíduo – sem senhor e que desfrutava de grande mobilidade – que podia desempenhar um papel central na comunicação durante períodos de agitação política. “Notável por sua inteligência, sua disposição ardilosa, seu curso de vida ocioso, sua jogatina e a extensão de suas conexões”, Philip havia migrado de sua Cuba natal para a Jamaica em algum momento da primavera de 1788. Durante os três anos seguintes, ele fez os ajustes culturais necessários, aprendeu inglês e casou-se com uma escrava jamaicana. Embora não tivesse trabalhado por cerca de três meses no momento da sua prisão, Philip havia sido “geralmente empregado no comércio costeiro” e sem dúvida expandiu sua vasta experiência e contatos durante seus anos como marinheiro. O amigo “perigoso e travesso” de Philip, Jack, ele próprio um ex-estivador, mostrou-se igualmente bem conectado e sem raízes. Recentemente, Jack fugiu do seu dono e conseguiu ser contratado por um comerciante judeu para “vender pelo país em troca de comissão”. No curso de suas viagens, Jack cobriu uma vasta área que incluía St. James, bem como as paróquias vizinhas de Trelawny e Hanover; ele tinha conhecidos de Montego Bay a Lucea, a cerca de vinte e quatro milhas de distância. Embora seus destinos finais permaneçam desconhecidos, Philip e Jack podem muito bem estar entre os “vagabundos” transportados para Cuba. Só podemos especular sobre a forma que sua resistência pode ter assumido nos anos posteriores.85

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Os proprietários de todo o mundo, como os da costa norte da Jamaica, rapidamente levantaram sua guarda contra os estrangeiros sem senhor. Pessoas como Philip e Jack podiam ser encontradas em todo o Caribe, desempenhando papéis importantes na comunicação durante as primeiras fases da revolução em São Domingos. Além desses indivíduos, no entanto, muitas outras fontes de informações e idéias tornaram-se disponíveis para escravos que tentavam compreender o mundo ao seu redor. Se a rebelião negra em São Domingos teve um significado especial imediato para os escravos, outros acontecimentos apontavam para as correntes ideológicas mais abrangentes que se concentraram na colônia francesa e se espalharam por outras partes das Américas. Como os frenéticos preparativos militares que os fazendeiros e as autoridades coloniais da Jamaica esperavam em vão que permanecessem em segredo, o debate sobre as idéias e políticas da Revolução Francesa rapidamente assumiu uma dimensão pública irreprimível no início da década de 1790.

Mesmo antes da execução de Luís XVI em Paris e da declaração de guerra da Convenção Nacional contra a Grã-Bretanha, Espanha e Holanda, essas nações se prepararam para a provável perspectiva de uma luta militar contra os franceses. Nas colônias britânicas, como na Inglaterra, a preparação para a guerra que se aproximava assumiu uma dimensão ideológica e também militar. No início de 1793, os rituais contra-revolucionários já proeminentes na Inglaterra apareceram pela primeira vez nas colônias britânicas, onde os inimigos da Revolução Francesa e da doutrina dos Direitos do Homem usavam ocasiões públicas de maneiras cuidadosamente administradas para conter a disseminação de idéias igualitárias. Os residentes de Barbados já sentiram a “grande expectativa de guerra” em janeiro, quando uma multidão em Bridgetown ergueu uma efígie de Tom Paine segurando “seus direitos do homem” e a queimou nas ruas da capital da ilha. Uma cena semelhante ocorreu na vizinha Granada, um mês depois. Desta vez, a efígie de Paine foi exibida pela primeira vez “um dia na forca” antes de ser queimada “em meio aos gritos de um grande número de pessoas”.86

Em abril de 1793, essa prática chegou à Jamaica. A ilha esteve mais movimentada do que de costume desde os últimos dias de março, quando os navios britânicos voltando de São Domingos e o pacote da Inglaterra confirmaram simultaneamente a eclosão da guerra entre a Grã-Bretanha e a França. Em 3 de abril, o governador fez uma proclamação limitando severamente a liberdade de movimento de estrangeiros, exigindo que portassem uma “licença especial” para pisar fora de um raio de cinco milhas de Kingston. Enquanto isso, a marinha ofereceu recompensas aos marinheiros mercantes por se alistarem nos navios de guerra de Sua Majestade, e um escritório foi aberto para receber e administrar prisioneiros de guerra republicanos.87 Nas semanas seguintes, a guerra trouxe a Revolução Francesa desconfortavelmente perto. Não só os soldados franceses capturados trazidos para a Jamaica conseguiram escapar de seu local de confinamento dilapidado, mas seus oficiais em liberdade condicional “se atreveram” a andar pelas ruas de Kingston “enfeitados [ …] com Cockades nacionais”, brandindo armas e cantando “a rebelde canção de Ça Ira.”88

Contra esse pano de fundo colorido, fazendeiros e autoridades do governo colonial jamaicanos realizaram um esforço público para desacreditar os franceses e suas idéias entre abril e junho de 1793. As fogueiras anti-Paine constituíram a principal atração nas celebrações iguais em Lucea e Montego Bay, marcando o décimo primeiro aniversário da celebrada vitória do Almirante Rodney sobre a frota francesa no Caribe durante a Revolução Americana. A persistência da ameaça francesa e sua perigosa forma atual compuseram os temas centrais da manifestação em Montego Bay: Paine foi queimado ao lado do Duque de Orleans, apelidado de “Mons. Egalité”, diante de um grupo com “o maior número de pessoas já reunidas aqui”.89

Em meados de maio, a primeira tradução oficial para o inglês da Declaração dos Direitos do Homem da Convenção Francesa chegou à primeira página do jornal mais lido da ilha. Como se fosse em resposta a esse esforço de se dirigir a um público de língua inglesa, as sucessivas queimadas de efígies de Paine na Jamaica tornaram-se mais elaboradas e dirigiam-se com mais veemência contra os protestos internos. Em Savanna-la-Mar, no início de junho, a efígie de Paine balançou ameaçadoramente para frente e para trás diante do rosto de um tal Thomas Bullman, recentemente “condenado [ …] por fazer uso de expressões sediciosas” e confinado em um pelourinho. A aparição de Paine nesta ocasião foi projetada para transmitir uma mensagem clara a Bullman e à multidão de espectadores interessados:

O patife usava o chapéu vermelho (o boné distinto dos jacobinos), na frente do qual estava escrito, em letras pretas, “Brissot — Marat — Roberspierre (sic) —Egalité e, embaixo, “Falsa Filosofia — Massacre— Pilhagem — Fraude — Perjúrio”. Em sua mão direita segurava um papel, com as seguintes palavras como página de rosto: “Direitos do Homem, aliás Direitos de pilhagem”; sob o braço esquerdo, um velho par de espartilhos.

Enquanto uma banda tocava “Deus salve o rei”, o corpo de Paine, recheado de pólvora, foi incendiado e “logo explodiu, para entretenimento de um grande número de espectadores”. No mês seguinte, uma ocasião semelhante lembrou aos residentes de Kingston da origem antiescravista de Paine. Em julho de 1793, o radical inglês cuja carreira como panfletário havia começado com tratados contra a escravidão e o tráfico foi simbolicamente enforcado e queimado em Kingston, junto com uma efígie retratando o mais conhecido cruzado antiescravista contemporâneo, William Wilberforce.90

Embora os artigos de jornal apresentem um quadro detalhado e sugestivo da estrutura desses rituais contra-revolucionários e se refiram a “grandes” multidões, questões mais gerais permanecem sobre o papel da política popular (e antipopular) nas sociedades escravistas durante a época da revolução. Qual foi a reação popular a esse esforço conjunto para desacreditar Paine e os revolucionários franceses? Em que medida a dinâmica das sociedades escravistas afetou ou alterou o caráter e o significado desses rituais políticos? Os negros se viam como participantes ativos na política de revolução e contra-revolução, ou eventos como a queima de efígies simplesmente tendiam a confundi-los e ficaram periféricos às suas preocupações?

Se bem que seja quase impossível responder totalmente a essas questões cruciais, a maneira e a frequência das fogueiras antifrancesas na Jamaica e em outras ilhas britânicas sugerem que, como a efígie de Paine em Savanna-la-Mar, as discussões sobre a Revolução Francesa e sua ideologia literalmente vieram à tona em meados de 1793. E em sociedades divididas por classes e raça, as manifestações públicas da elite podem ter sido uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que intimidavam e promoviam o conformismo, eles também acentuavam e enfatizavam vividamente o grande desafio que a Revolução Francesa representou para a escravidão.91 Mesmo que escravos, negros livres e outros que testemunharam o ritual (a queima de Paine, Wilberforce e os Direitos do Homen) não tivessem acompanhado anteriormente o avanço da Revolução Francesa e sua contraparte caribenha, provavelmente acabaram com uma ideia sobre as questões em jogo, ideias opostas às intenções de seus patrocinadores. A fumaça das fogueiras da farsa teatral com as efígies mal havia se dissipado na véspera do aniversário da Queda da Bastilha em 1793, quando as autoridades na cidade espanhola vizinha interrogaram quatro “negros franceses” recentemente capturados que estavam sendo detidos na casa de trabalho forçado. Sendo pura coincidência ou uma declaração política reveladora, um dos prisioneiros negros se autodenominava “John Paine”.

Notes

  1. James Baillie a James Rogers, Richard Martin a Rogers, 14 de dezembro de 1790, Moses Myers a Rogers, 10 de janeiro de 1791, Rogers Papers.
  2. Juan Baptista Vaillant a Luis de Las Casas, Cuba, 3 de julho de 1790, 22 de dezembro de 1790, 24 de dezembro de 1790, 26 de janeiro de 1791, AGI, Cuba, leg. 1434; Lucas de Galvez a Conde Campo de Alange, Mérida Yucatán, 8 de fevereiro de 1791, AGI, Sección de Gobierno, Audiencia de México, leg. 3024.
  3. Juan Guillelmi a Pedro de Lerena, Caracas, 29 de setembro de 1790, AGI, Caracas, leg. 907.
  4. Citado em Lothrop Stoddard, The French Revolution in San Domingo (Boston and New York: Houghton Mifflin Company, 1914), 72–73.
  5. Las Casas a Campo de Alange, Havana, 20 de setembro de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 1253. As Reales Cédulas de 23 e 24 de setembro de 1789 e de maio de 1790 proibiam a introdução “de qualquer pessoa francesa sem exceção de classe”. Ver Las Casas a Campo de Alange, Havana, 16 de novembro de 1791, AGI, Cuba, leg. 1486.
  6. Las Casas a Campo de Alange, Havana, 17 de agosto de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 1253.
  7. Philip Affleck a Philip Stephens, 28 de setembro de 1789, ADM 1/244, PRO.
  8. Domingo Cabello a Antonio Valdés, Havana, 25 de fevereiro de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 1254.
  9. Joaquín García a Antonio Porlier, Santo Domingo, 25 de julho de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 953; Las Casas a Porlier, Havana, 30 de julho de 1790, AGI, São Domingos, leg. 1253; García a Lerena, São Domingos, 3 de agosto de 1791, AGI, São Domingos, leg. 954.
  10. García a Valdés, Santo Domingo, 25 de maio de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 953.
  11. C. L. R. James, The Black Jacobins (New York: Random House, 1963), 74–75.
  12. Joseph Antonio Vrizar a Porlier, Santo Domingo, 25 de novembro, 25 de dezembro de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 1027; Adam Williamson a Lord Grenville, 4 de julho de 1791, C.O. 137/89, PRO.
  13. Savanna-la-Mar Gazette, 29 de julho, 5 de agosto de 1788; St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette, St. George’s (Granada), 8 de outubro de 1790, em AAS.
  14. Affleck a Stephens, 14 de setembro de 1789, 12 de setembro de 1790, ADM 1/244, PRO.
  15. Williamson a Grenville, 5 de agosto de 1791, C.O. 137/89, PRO. Trocava-se tanta informação na Jamaica durante as primeiras etapas da Revolução francesa que o comércio de Cuba em pequenas embarcações chegou a ser a fonte mais confiável de notícias na ilha espanhola sobre os acontecimentos em Santo Domingo e Europa.
  16. Kingston Daily Advertiser, 12 de janeiro de 1791, AAS; Williamson a Grenville, 5 de agosto de 1791, C.O. 137/89, PRO.
  17. Frances Armytage, The Free Port System in the British West Indies; a Study in Commercial Policy, 1766–1822 (Londres: Longmans, Green, 1953), 36–46.
  18. E. L. Joseph, History of Trinidad (Port of Spain, Londres e Glasgow, 1838), 161–166. Joseph afirmou que mesmo nos seus tempos, quarenta anos após a anexação britânica de Trinidad em 1797, “o francês crioulo é mais a língua do povo daqui do que o inglês ou o espanhol”.
  19. Thomas Atwood, History of the Island of Dominica (Londres, 1791), 218; Joseph, History of Trinidad, 166–167.
  20. Minutes of WIPM, 23 de março, 1 de abril, 6 de abril de 1790, rollo 3. Para a Real Cédula do 14 de abril de 1789, ver AGI, Indiferente General, leg. 2787.
  21. St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette, 27 de agosto, 10 de setembro, 15 de setembro de 1790.
  22. St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette, 20 de agosto, 22 de outubro, 29 de outubro, 11 de novembro de 1790. Para mais casos, ver ibídem, 13 de agosto, 27 de agosto e 15 de outubro de 1790.
  23. Cartas citadas em William J. Callahan, Jr., “La propaganda, la sedición y la Revolución francesa en la Capitanía General de Venezuela (1789–1796)”, Boletín Histórico, Caracas, núm. 14 (maio de 1967): 200, 201–202.
  24. Porlier a Lerena, Aranjuez, 14 de junho de 1790, AGI, Indiferente General, leg. 2787; Las Casas a Porlier, Havana, 7 de agosto, 12 de agosto de 1790, AGI, Santo Domingo, leg. 1253.
  25. Guillelmi a Lerena, Caracas, 29 de setembro de 1790, AGI, Caracas, leg. 115.
  26. Ver, por exemplo, St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette, 17 de setembro de 1790.
  27. St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette, 22 de outubro de 1790. El Chronicle aparecia em inglês e francês, como um jornal da Dominica, Gallagher’s Weekly Journal Extraordinary, Roseau, Dominica. Ver o exemplar do 21 de dezembro de 1790 em C.O. 71/18
  28. Muitos exemplares dessas publicações da Martinica, Guadalupe e Santa Lúcia são preservados em C.O. 71/20, PRO.
  29. Por exemplo, o St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette do 15 de outubro de 1790 refere-se a um jornal francês “aristocrático” publicado na Dominica.
  30. José María Chacón a Porlier, Trinidad, 27 de janeiro de 1790, AGI, Caracas, leg. 153; Guillelmi a Valdés, Caracas, 2 de março de 1790, AGI, Caracas, leg. 115.
  31. Henry Lémery, Révolution française à la Martinique (Paris: Larose, 1936), 21–22; James Bruce a Lord Grenville, 8 de setembro de 1789, C.O. 71/16, PRO.
  32. Para uma interpretação diferente, ver Michael Craton, Testing the Chains: Resistance to Slavery in the British West Indies (Ithaca e Londres: Cornell University Press, 1982), 224–225.
  33. Ata do Conselho Privado, 22 de fevereiro de 1788, C.O. 71/15, PRO.
  34. Orde a Sydney, 10 de maio de 1788, 1 de setembro de 1788, C.O. 71/14, PRO; Orde a Sydney, 13 de dezembro de 1788, 22 de janeiro de 1789, C.O. 71/15, PRO.
  35. Orde a Sydney e os depoimentos anexados, 29 de maio de 1788, C.O. 71/14, PRO; “Statement of the Case of the Captain & Crew of the Schooner Union of Barbados”, 31 de dezembro de 1790, C.O. 71/18, PRO.
  36. Orde a Sydney, 13 de abril de 1788, C.O. 71/14, PRO; Bruce a Grenville, 15 de abril de 1790, C.O. 71/16, PRO; Ata do Conselho Privado, 27 de março de 1790, C.O. 71/17, PRO; Orde a Grenville, 8 de janeiro de 1791, C.O. 71/18, PRO.
  37. Atwood, History of the Island of Dominica, 219–20. Segundo estimativas oficiais, esses mestiços livres representavam apenas cerca de 3% da população da ilha em 1791, em comparação com 2.000 brancos (11%) e 15.400 escravos negros (86%). Ver “Return of White People, Free People of Colour & Blacks,” 14 de fevereiro de 1791, C.O. 71/20, PRO.
  38. St. George’s Chronicle and New Grenada Gazette, 16 de julho, 26 de novembro 1790.
  39. Orde a Grenville, 8 de janeiro de 1791, C.O. 71/18, PRO.
  40. B. Blanc a Orde, 12 de enero de 1791, Renault Briollard a Orde, 13 de janeiro de 1791, C.O. 71/19, PRO. A ideia de que os escravos teriam dias para trabalhar em suas próprias colheitas e que seriam pagos é muito semelhante a rumores que circulavam na mesma época nas colônias de escravos da Espanha. Dado o recente episódio de Trinidad, o código escravo de 1789 pode ter influenciado essas versões. Veja o capítulo três.
  41. Ata do Conselho Privado, 20 de janeiro de 1791, Orde a Granville, 3 de fevereiro de 1791, C.O. 71/19, PRO.
  42. Ata do Conselho Privado, 17, 20 de janeiro de 1791, Orde a Laforcy, 20 de janeiro, 28 de janeiro de 1791, C.O. 71/19, PRO.
  43. Orde a Magistrates and Planters, 15 de janeiro de 1791, Ata do Conselho, 24 de janeiro de 1791, C.O. 71/19, PRO.
  44. Orde a President of the Council and Speaker of the Assembly, 21 de janeiro de 1791, C.O. 71/19, PRO.
  45. The Caribbean Register, or Ancient and Original Dominica Gazette, 26 de março de 1791, ejemplar en C.O. 71/20, PRO; Ata do Conselho Privado, 29 de janeiro de 1791, C.O. 71/19, PRO.
  46. L’Ami de la Liberté, l’Ennemi de la Licence, Port of Spain, 22 de fevereiro de 1791, exemplar em AAS. Infelizmente, esse é o único exemplar deste jornal que parece ter sobrevivido até hoje.
  47. Mitchell B. Garrett, The French Colonial Question 1789–1791; dealings of the constituent assembly with problems arising from the revolution in the West Indies (Ann Arbor, MI: G. Wahr, 1918), 97–117; Bryan Edwards, The History, Civil and Commercial, of the British colonies in the West Indies, vol. iii (Londres: 1794), 68–69; Stoddard, French Revolution in San Domingo, p. 129.
  48. Thomas O. Ott, The Haitian Revolution, 1791–1804 (Knoxville: The University of Tennessee Press 1973), 47–52; James, Black Jacobins, 85–90; Edwards, The History, Civil and Commercial, vol. iii, 83.
  49. Carta citada em Léon Deschamps, Les colonies pendant la Révolution: la Constituante et la réforme coloniale (Paris: Perrin, 1898), 84. Para as chegadas e saídas de Port-au-Prince e Les Cayes, veja Affiches américaines, 11 de setembro de 1790, RSD.
  50. Benjamin Bailey a Christopher Champlin, 13 de fevereiro de 1790, Samuel Lawton a Christopher e George Champlin, 18 de fevereiro de 1791, reproduzida em Commerce of Rhode Island, 1726–1800, 2 vols., Boston (MA), 1915, vol. ii, pp. 409–410. 432–433.
  51. Citado en Las Casas a Campo de Alange, Havana, 9 de novembro de 1791, AGI, Cuba, leg. 1486.Para outros exemplos, veja as observações de Nicholas Thorndike (Salem) e William Newton (Charleston), com Las Casas a Ministro de Guerra, Havana, 8 de fevereiro de 1792, AGI, Cuba, leg. 1486; Las Casas a Campo de Alange, Havana, 7 de maio, 11 de julho de 1793, AGI, Santo Domingo, leg. 1261.
  52. Eugene Perry Link, Democratic-Republican Societies, 1790–1800 (New York: Columbia University Press, 1942), 26–27, 95–96; “Lista de los franceses que se aprehendieron el 18 de mayo”, Havana, 8 de julho de 1794, AGI, Cuba, leg. 1474. Ainda na década de 1830, algumas organizações de trabalhadores brancos continuavam a brindar à saúde de Tom Paine em seus encontros e ao “republicanismo puro” do governo haitiano. Veja Eric Foner, Politics and Ideology in the Age of the Civil War (Oxford: Oxford University Press, 1980), 61.
  53. Vicomte Henri de Grimouärd, L’Amiral de Grimouärd au Port-au-Prince d’aprés sa correspondence et son journal de bord (mars 1791-juillet 1792), París, 1937, p. 58; La Salle a Sonthonax, 24 de fevereiro [de 1793], reproduzido em Corre, Papiers du Général de la Salle, pp. 148–149.
  54. “A List of all Ships & Vessels that have clear d’Outwards at the Port of Jeremie in the Island of St. Domingo since the Commencement of the British Government 20th September to the 9th Novr. 1793”, C.O. 137/92, PRO; Vrizar a Gardoqui, São Domingos, 25 de fevereiro de 1794, AGI, São Domingos, leg. 957
  55. George D. Terry, “A Study of the Impact of the French Revolution and the Insurrections in Saint-Domingue upon South Carolina: 1790–1805”, tese de mestrado, University of South Carolina, 1975, pp. 11–12, 38–39.
  56. P. Bond a Lord Grenville, 2 de outubro de 1791, Foreign Office Records, class 4/ vol. 11, PRO; Mary Treudley, “The United States and São Domingos, 1789–1866”, Journal of Race Development, núm. 7 (julho de 1916): 103–104; Alfred Nathaniel Hunt, “The Influence of Haiti on the Antebellum South”, tese de doutorado, University of Texas at Austin, 1975, p. 221n.
  57. Thomas Boyd, Light-horse Harry Lee (Nova Iorque e Londres: C. Scribner’s sons, 1931), 206–207; Richard R. Beeman, The Old Dominion and the New Nation, 1788–1801 (Lexington: The University Press of Kentucky, 1972), 95–96; Daniel Bedinger a Henry Bedinger, 19 de setembro de 1797, Bedinger-Dandridge Family Papers, Duke University Library.
  58. Effingham a Dundas, 7 de setembro de 1791, C.O. 137/89 PRO; William Dineley a Rogers, 10 de setembro de 1791, Rogers Papers.
  59. Royal Gazette, 26 de novembro de 1791.
  60. Mary Smith a William Hammet, 29 de novembro de 1791, William and Benjamin Hammet Papers, Duke University Library.
  61. Carta citada em Fuller a Dundas, 2 de janeiro de 1792, FLB.
  62. Williamson a Dundas, 18 de setembro, 6 de novembro de 1791, C.O. 137/89, PRO. Para um exemplo de canções tradicionais de Trinidad baseadas parcialmente na revolta de escravos de Santo Domingo, ver David Lowenthal, West Indian Societies (Nova Iorque: Oxford University Press, 1972), 45. É possível que esta canção tenha origem jamaicana. A população negra de Trinidad em 1807, ano em que um habitante da Ilha ouviu e tomou notas sobre a canção, incluía várias centenas de negros franceses enviados para lá da Jamaica depois que a Grã-Bretanha anexou a ilha em 1797.
  63. “Extract of a Letter from Jamaica dated Kingston 18th Novr. 1791”, C.O. 137/89, PRO; “Extract of a Letter dated Spanish Town Jamaica 5th Novr. 1791”, FLB.
  64. Effingham a Dundas, 17 de setembro de 1791, C.O. 137/89, PRO; Stephen Fuller a Dundas, 30 de outubro de 1791, FLB.
  65. Journals of the Assembly of Jamaica, vol. ix, pp. 50, 82, 85; Williamson a Dundas, 12 de fevereiro de 1792, C.O. 137/90, PRO.
  66. Journals of the Assembly of Jamaica, IX, pp. 319, 332; Royal Gazette, 28 de julho de 1792.
  67. Journals of the Assembly of Jamaica, vol. ix, pp. 319, 332; Royal Gazette, 28 de julho de 1792
  68. Royal Gazette, 25 de agosto de 1792, 13 de abril de 1793. Para outros exemplos de domésticos de Santo Domingo que escaparam de seus senhores na Jamaica durante este período, incluindo bilíngües (pelo menos em termos de idiomas europeus), veja Royal Gazette, 28 de julho, 4 de agosto, 10 de novembro de 1792, e 9 de março, 17 de agosto, 26 de setembro de 1793.
  69. Affleck a Stephens, 5 de novembro de 1791, “A List of His Majesty’s Ships & Vessels on the Jamaica Station, and upon what Services employed”, 17 de junho de 1792, ADM 1/244, PRO.
  70. No entanto, no final do ano, a Assembléia aprovou a eliminação dessas medidas por serem muito caras e deletérias para o valoroso comércio da ilha com o exterior. Journals of the Assembly of Jamaica, vol. ix, pág. 90, 139–140, 173.
  71. Journals of the Assembly of Jamaica, vol. ix, pp. 218, 235. Embora as datas não coincidam exatamente, uma reportagem de jornal sobre a chegada e prisão de “um mulato, cinco negros e duas mulheres [que] chegaram aqui em um barco aberto […] de Porto Príncipe” provavelmente se refere ao mesmo incidente relatado por Bartlett. Veja Royal Gazette, 31 de agosto de 1793.
  72. Royal Gazette, 21 de abril de 1792; interrogatorio a James Ball, 30 de outubro de 1794, documentos de “7 Negro Slaves” (1794), Records of the High Court of Vice-Admiralty (Kingston, Jamaica), Jamaica Archives, Spanish Town (JHCVA Papers). Veja também o caso de John McArthur, um mulato que retornou à Jamaica depois de ser vendido a um francês em Santo Domingo, Royal Gazette, 1 de dezembro de 1792.
  73. Royal Gazette, 18 de fevereiro de 1792.
  74. Royal Gazette, 12 de maio de 1792.
  75. Royal Gazette, 19 de maio de 1792.
  76. Veja, por exemplo, o caso de Adjo, Royal Gazette, 1 de dezembro de 1792.
  77. Royal Gazette, 19 de enero, 9 de febrero, 13 de abril de 1793.
  78. Royal Gazette, 19 de maio de 1792, 3 de agosto de 1793.
  79. “Extract of a Letter from Jamaica”, dated Kingston 18th Novr. 1791”, C.O. 137/89, PRO.
  80. Morning Chronicle, Londres, 2 de fevereiro de 1792, exemplar em FLB; Williamson a Dundas, 27 de novembro de 1791, C.O. 137/90, PRO; Smith a Hammet, 29 de novembro de 1791, Hammet Papers.
  81. David Geggus, “Jamaica and the Saint-Domingue Slave Revolt, 1791–1793”, The Americas, núm. 38 (outubro de 1981): 219–221.
  82. Todos os exemplos são retirados de “Minutes of the proceedings of the Committee of Secrecy and Safety in the Parish of St. James’s, Jamaica”, C.O. 137/90, PRO.
  83. Além de “Minutes”, ibídem, veja a carta de Winn em Morning Chronicle, Londres, 2 de fevereiro de 1792, FLB. As reclamaçōes francesas de que os espanhóis de Santo Domingo auxiliavam os escravos rebeldes aumentaram a animosidade contra os espanhóis na Jamaica. ver Royal Gazette, 7 de abril de 1792.
  84. “Minutes […] of the Committee of Secrecy and Safety”, C.O. 137/90, PRO. A carta de acompanhamento de Winn indica que a paróquia de Hanover havia tomado medidas semelhantes contra os residentes espanhóis. Mas em 1793 “sete oitavos” dos oitenta estrangeiros que cumpriram a ordem de registro em Montego Bay eram espanhóis. Veja Royal Gazette, 27 de abril de 1793.
  85. “Minutes […] of the Committee of Secrecy and Safety”, C.O. 137/90, PRO.
  86. Royal Gazette, 2 de fevereiro, 9 de março de 1793.
  87. Royal Gazette, 30 de março, 6 de abril, 13 de abril de 1793.
  88. Royal Gazette, 20 de abril, 27 de abril de 1793.
  89. Royal Gazette, 20 de abril, 27 de abril de 1793.
  90. Royal Gazette, 8 de junho de 1793; [Falconbridge], Narrative of Two Voyages, p. 234.
  91. E. P. Thompson aponta que na Inglaterra “cada fogueira sob a efígie de Paine serviu para iluminar as diferenças entre a Constituição da nobreza e os Direitos do povo, mesmo que não fosse essa a sua intenção”. Pelo menos um dos seguidores ingleses de Paine achou a queima de efígies era “melhor para a causa do que os argumentos mais substanciais”, e ele os creditou por inflamar “o espírito de investigação que se espalhou; dificilmente há uma velha que não esteja falando de política”. E. P. Thompson, The Making of the English Working Class (Nova Iorque: Pantheon Books, 1964), 113, 122.

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